Bem, ainda não comentamos nada muito a fundo aqui, mas não é à
toa que as nutris do Desbananando, Dé e Gi, se identificam muito com a área da
nutrição esportiva. A Gi é uma belíssima e experiente bailarina/dançarina e
essa que vos fala (Dé) tem enganado bem como triatleta. Hehe
Ok, momento selfie do post, estou indo disputar o Mundial de
Duathlon que vai acontecer em uma cidadezinha chamada Pontevedra, Espanha, agora
no final do mês. A ansiedade é tanta que nesse momento não seria possível
postar sobre qualquer outra coisa que não isso. Então, pensei em falarmos um
pouco sobre a alimentação de atletas de endurance. O que comer, o que usar nas
provas, nos pré-treinos em geral, etc. Uma visão bem básica para que vocês possam
ter uma ideia de como funcionam as coisas nesse mundinho. Lembrando que a
nutrição esportiva é uma área extremamente complexa, que requer constante
atualização e muito estudo. Além disso, eu ainda a considero uma ciência (de
certa forma) crua, pois faltam evidências científicas para a maioria das coisas
que são ditas por ai. Ou melhor, acho que as pessoas em geral tem dificuldades
em entender que um estudo isolado não é evidência suficiente e concreta de que
uma certa intervenção é, de fato, eficaz. Enfim, o que será tratado aqui é
apenas um pouco da minha experiência no esporte juntamente com o que já aprendi
nesse pouco tempo de profissão.
Vou começar falando que esportes predominantemente aeróbicos
e principalmente, exercícios de maior intensidade, tornam necessário um aumento
no aporte de carboidratos (CHO). A relevância
do CHO como substrato energético para o exercício de endurance
já
é conhecida desde o início do século 20. O atleta de endurance
(maratonista, ciclista, triatleta, etc) utiliza o CHO como substrato
primordial/preferencial para a síntese de ATP. Já no exercício de baixa
intensidade, os músculos esqueléticos usam principalmente a gordura para fins
energéticos, embora sempre haja alguma utilização da glicose. Dessa forma, a
ingestão de CHO deve basear-se nas taxas de depleção de glicogênio muscular e
na atividade física em que o atleta está envolvido. O
consumo apropriado de carboidrato é fundamental para a otimização dos estoques
iniciais de glicogênio muscular, a manutenção dos níveis de glicose sanguínea
durante o exercício e a adequada reposição das reservas de glicogênio na fase
de recuperação. Considerando que os estoques
endógenos de CHO são limitados e que a baixa disponibilidade desse nutriente
afeta negativamente o desempenho em atividades de endurance, é imprescindível que os atletas adotem estratégias
adequadas para o consumo desse macronutriente antes, durante e depois dos
treinos/competições. Krogh e Lindhardt foram
os primeiros cientistas a reconhecer a importância do CHO como combustível para
o exercício. Esses pesquisadores relataram que indivíduos submetidos a dieta
rica em CHO apresentaram menor percepção subjetiva de esforço em comparação
com a situação na qual os mesmos haviam consumido dieta rica em lipídios. E
como saber o quanto devemos ingerir? Burke et al.recomendam a ingestão de 5 a 7g de CHO
por quilograma por dia para atletas em fase de treinamento de intensidade média
a elevada. Já no período de competição, segundo os mesmos autores, esse consumo
deve aumentar para 7 a 10g/kg/dia, com a finalidade de manter o nível adequado
dos estoques de glicogênio.
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Foto: Christiano Cardoso/Estúdio Sports Mag |
O grande desafio do nutricionista do mundo moderno é mostrar
ao paciente que o CHO não é o monstro que ele imagina. A sociedade atual tende
a “demonizar” o CHO e não são poucos os gurus nutricionais, as blogueiras fit
(Instagram), livros e dietas estimulando altos teores de proteína e restrição
de CHO. No entanto, nos últimos 50 anos uma enorme quantidade de evidências
científicas tem mostrado claramente que uma dieta rica em CHO é crucial para
manter o bom desempenho no esporte. De fato, o macronutriente deve fazer parte
de 50 -70% da dieta. Um bom exemplo pode ser encontrado nos corredores
quenianos, mundialmente conhecidos por serem os melhores corredores de
resistência e que há um bom tempo dominam os maiores eventos esportivos. Um
estudo antigo, mas bem interessante, mostrou que a porcentagem de CHO da sua
dieta ultrapassa os 70% da ingestão energética total.
Na prática, o que os atletas devem levar em consideração é o
calendário de provas. Nos dias que antecedem competições importantes é
interessante aumentar ainda mais o consumo de carboidratos. De fato, nos
últimos três dias, é importante dar preferência ao carboidrato em todas suas
refeições. Por exemplo, se a prova é na manhã de um domingo, o jantar de sábado
à noite deve ter uma boa quantidade do macronutriente. Os atletas acabam, na
maioria das vezes, recorrendo a um bom prato de macarrão com molho vermelho. É
realmente uma opção muito boa. Mas se você não gosta de molho vermelho, que tal
uma massa com alho e funghi? E se você não curte muito massas em geral, existem
alternativas, obviamente. Um risoto acompanhado de batatas rústicas (assadas),
por exemplo. Qualquer tipo de carboidrato pode ser utilizado - mandioca,
batata, polenta, batata-doce, arroz, macarrão - só não valem preparações com
molhos gordurosos, pois a gordura não é nada bem-vinda nesse período. Nesse
momento tente evitar também o consumo de fibras, desta maneira, dê uma pequena
(minúscula) férias para as saladas.
No café da manhã, não tome leite e nem consuma seus
derivados. A digestão é bem mais lenta e pode te prejudicar na prova. Coma o
que você está acostumado a comer antes de treinar. Se a prova for uma rústica
curta (5 - 10km), uma meia maratona ou mesmo uma maratona, capriche no simples:
pão branco, geleia, queijo cottage/requeijão com alguma fruta (a banana sempre
encaixa bem nesse momento). Para algumas pessoas pode ser interessante tomar um
café preto. Para outras a cafeína, potente estimulador de peristaltismo, pode
não cair muito bem. Isso varia muito, de pessoa para pessoa. Tem atleta, pra
gente ter uma ideia, que acorda 30 minutos antes da largada e consegue tomar
leite, comer bolo e nada acontece. Mistérios do nosso organismo. A dica é
testar opções durante o período de treinos, para que na prova possamos apenas repetir
aquilo que teremos certeza que não nos prejudicará. Instantes antes da largada
pode ser interessante tomar um gel de carboidrato. Existem muitas opções no
mercado, e os preços são bem variados. Você vai encontrar géis mais baratos,
nacionais, por aproximadamente R$2. No entanto, depois de provar algumas marcas
importadas, não vai ligar nem um pouco em pagar R$ 5 – R$ 8. O sabor de algumas
é tão gostoso que tem muita gente por ai que comeria um gel diariamente, de sobremesa!
(eu, por exemplo)
Durante a prova, e dependendo da distância, algumas
estratégias de nutrição podem ser úteis. Em provas de 5 e 10km não se recomenda
usar nada. Apenas tomar água (pequenos goles) a cada posto de hidratação. Em
provas como meia maratonas, na minha humilde opinião, o uso do gel é
indispensável. Para percorrer 21km, é necessário tomar, pelo menos, 2 géis. A
quantidade vai variar do pace que a pessoa corre (se a pessoa leva 2h30 para
completar a prova certamente ela vai precisar de uma quantidade maior do que
quem consegue terminar em um período próximo a 1h30); também haverá variação de
acordo com a refeição pré-treino que a pessoa fez. Se essa refeição foi feita
mais de 2h prévias à largada, é bom tomar um gel antes de iniciar. A hidratação
é importantíssima em todos os tipos de prova. É essencial tomar água mesmo sem
sede - sempre lembro daquele velho ditado, “se a sede chegou é porque já estás
num estado de desidratação”. Ao término da prova é necessário repor os
eletrólitos perdidos com o suor. Em países tropicais como o Brasil, onde a
umidade do ar está quase sempre acima do recomendável para a prática de
exercícios físicos (cerca de 60%) é imprescindível que se tome certos cuidados.
Se o atleta terminar a corrida e tomar muita água ele pode entrar num quadro
que chamamos de hiponatremia (níveis muito baixos de sódio). Esse quadro pode
ser extremamente perigoso e em casos mais extremos pode levar ao coma e à
morte. Então, terminou a corrida num dia quente ou muito úmido, faz a reposição
dos eletrólitos perdidos com um repositor. Qual o melhor repositor hidro-eletrolítico?
A água de coco! Sim, ela mesma! As bebidas isotônicas que são comercializadas
atualmente também podem ajudar, mas a água de coco ainda é a rainha mor! Ela
contém muito potássio e pouco sódio, ao passo que os “ades” da vida (Powerade,
Gatorade, etc) contém muuuuito sódio e pouco potássio.
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Foto: Guto Oliveira/Transpire |
Falando um pouco mais especificamente do meu esporte, o
triathlon. Na verdade minha especialidade é o duathlon (modalidade onde se
corre, depois pedala, depois corre de novo). A pessoa com 27 anos na cara não
sabia nadar até, tipo, ontem (hehe), então sempre que faço provas de triathlon
conto com uma nadadora amiga e participo na modalidade revezamento. Alguém nada
pra mim, e eu pedalo e corro. Enfim, falando então do duathlon. As distâncias
olímpicas são de 10km run + 40km bike + 5km run, mas no campeonato gaúcho
geralmente se usa metade dessas distâncias. O que se usa durante a prova? Gel
de carboidrato, sempre! E junto com ele, alguns atletas gostam de usar
maltodextrina, outros usam Wazy Maize. Glicodry também é opção. Dextrose também
pode? Melhor não. A dextrose tem um índice glicêmico muito alto, e é mais
utilizada no pós-treino, muitas vezes em conjunto com o whey protein. Eu sempre
usei malto e embora hoje o waxy maize tenha virado modinha, eu sigo na minha
velha e boa malto. Mas isso é bem pessoal, o interessante é estar ingerindo um
carboidrato de fácil e rápida absorção, que contenha um pouco de sódio. No
próximo post, prometo aprofundar um pouco mais esse assunto, falando melhor da
diferença entre os principais tipos de CHO. Além do carboidrato é sempre
interessante ter uma caramanhola com água, principalmente para auxiliar na
absorção rápida do gel de carboidrato. Algumas provas não fornecem água durante
o trajeto de ciclismo pois a velocidade dos competidores é muito grande e fica
difícil de entregar a garrafinha para eles. Tem atleta que usa cápsula de
sódio, outros optam por CHO que contenham sódio em sua formulação.
Embarco terça para a Espanha e a expectativa é muito grande.
Na minha categoria (25 – 29 anos) largam 24 competidoras. A competição promete
um nível muito alto e tenho certeza que vai ser um evento inesquecível pra mim.
Na volta, faço um post contando como foi! Por hoje era isso gente! Espero que
tenham gostado. Qualquer dúvida, só gritar!
Um bom domingo, beijos!
Dé e Gi
Referências:
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